Hoje vos escrevo para vos fazer um update sobre o funcionamento do Acabo de Ver. Pelas razões de que já aqui falei, o meu regime cinematográfico começa a ganhar uma consistência algo diferente. É provável que comece a ver mais filmes no âmbito profissional do que fora dele mas, claro, isso não faz com que a obsessão seja menor. Isto implica que, quase sempre, tenha novidades para vos trazer às 5as de cada semana. No entanto, o meu tempo também é menor. Por estas razões e para evitar atrasos, decidi, a partir de agora, começar a publicar o Acabo de Ver dentro do fim-de-semana (o momento em que terei sempre um bocadinho para o fazer, espero).
Também escolhi trazer-vos todas as Quintas-feiras a totalidade, um excerto ou uma adaptação do artigo que nesse dia publiquei no Sapo.
Posto este discurso brilhantemente enfadonho, cá vai um textito que fiz sobre os Piratas. No fim-de-semana, virá, de certeza, o respectivo podcast.
"Ele é, de facto, louco. Mas, como ele próprio insiste em dizer, «se não fosse, talvez isto nunca resultasse». Jack Sparrow é, pela terceira vez, o pirata tresloucado, desengonçado, abusado, em parte másculo e, em parte, efeminado. Todos os «ados» contidos neste escrito são apenas um pretexto para descrever a força gravitacional da «máquina» Piratas das Caraíbas. É ele, Johnny Depp, quem comanda mas, desta vez, há mais alguns que, mesmo no meio de uma certa confusão, conseguem provar um pouco do seu poder como capitão do navio.Depois de uma maldição e de um cofre ensanguentado, chega a altura de seguir até «aos confins do mundo». O terceiro episódio do tesouro que a Walt Disney descobriu há quatro anos, estreia hoje nas salas de cinema portuguesas e prevê-se que continue a lucrar muitas moedas de ouro. Desta vez, o barco segue em busca de Jack Sparrow (Johnny Depp), o capitão pirata preso no cofre de Davy Jones (Bill Nighy), um lugar desconhecido, para além do tempo e do espaço conhecidos pelo homem. A equipa de resgate junta, não só, o casal do enredo, mas também um ex-inimigo e um novo adversário, temporariamente aliado por interesse. Pelo meio da viagem, impõe-se o confronto com o Holandês Voador, o temível barco do anfíbio Jones, agora controlado pela Companhia das Índias Orientais, a instituição que pretende dizimar todos os que se regem pelo famigerado código. O que se apresenta, afinal, é uma união dos mais vis capitães do mundo em torno do concílio que os reúne e que se movem, inveteradamente, de acordo com os seus próprios interesses. Recapitulando e sem perder o fio à meada, Piratas das Caraíbas é um aglomerado de personagens (alguns bons e outros mais fracos), uma junção de sub-enredos e um conjunto de acções que vão alternando entre problema, resolução e batalha. Quando, na cena inicial, se cria um ambiente fantasmagórico em torno de um grupo de piratas sujeitos à inquisição da altura, é oferecido à assistência, um tom diferente dos seus antecessores. Há ali uma envolvente mais escura, mais lenta e mais sufocante que se prolonga durante a primeira metade do filme e que, em última instância, acaba por representar a sua mais valia. Desde o «outro lado» onde está Depp, no cenário surrealista de gelo e céu azul cristalino, até às falas cómicas de Barbossa (Geoffrey Rush), tudo parece guiar a fita num sentido diferente. Até a personagem de Keira Knightley aparenta ter ganho outra consistência, envergando um porte mais naturalmente revoltado e inicisivo. No entanto, à medida que nos aproximamos do final, percebemos que este terceiro enredo é, como em quase todos as terceiras partes que temos visto ultimamente, um esforço para reunir mais personagens, mais histórias dentro da narrativa principal e mais e maiores sequências de conflito naquele que é um blockbuster de Verão no seu estado mais puro. O ponto de reconhecimento acontece quando, para encontrar soluções se usam recorrentemente cenas com tiros de canhão e madeira estilhaçada. O novo inimigo, Sao Feng, é um Chow Yun-Fat empobrecido e o par romântico interpretado por Keira Knightley e Orlando Bloom acaba por cair, apesar dos esforços positivos da actriz para alcançar uma boa nota, no mesmo sentimentalismo heróico a que nos tinha habituado. Johnny Depp, contudo, continua a ser o motor da película com os seus trejeitos, os seus atrevimentos e o seu ar patife. Ao seu lado, num cameo que não chegou a concretizar-se em O Cofre do Homem Morto, mas que agora concretiza a tão aguardada presença como pai do protagonista, está Keith Richards. O músico proporciona, sem sombra de dúvida, o momento mais delicioso das quase três horas de fita, quando usa a sua voz profunda e pega na sua viola para fazer o que melhor sabe. Piratas das Caraíbas: Nos Confins do Mundo, ganha pelo ritmo desacelerado em que decorre a primeira metade mas, simultaneamente, perde com o argumento desagregado da segunda onde, a dada altura, é difícil para o espectador entender qual a acção principal. Não deixa, apesar disso, de ser uma conclusão à altura para esta etapa e, como seria de esperar, deixa aberta a janela para um regresso incerto mas mais do que previsto."