Sim, Baz Luhrmann é um romântico incurável. E, sim, as suas incursões ultra-fantasiosas são um risco desmesurado perigosamente à beira de passar a barreira do credível. Mas, se o cinema já perdeu a vontade de ser um escape, uma passagem para o lado de lá, onde tudo é larger than life, então pode ter perdido parte da sua essência. Lurhmann volta à carga com Austrália e consegue a proeza de levar ao grande ecrã, nestes tempos de algum desencanto, imagens com o deslumbramento que só um grande clássico pode afirmar ter. É um risco, sim, mas se alguém o pode correr é Baz Luhrmann.
Depois de Romeu e Julieta, em que trouxe Shakespeare para os dias de hoje sem lhe matar a orige, e de Moulin Rouge, um musical de cores e festim de excentricidades construído com pinças, Baz Luhrmann quis aumentar o turismo na sua terra natal e fazer um épico avassalador down under, extraordinariamente romântico e com imagens dignas de um cinema clássico que quase parece já ter desaparecido.
O elenco é maioritariamente constituído por australianos, a rodagem foi totalmente feita por aquelas bandas, e a acção desenrola-se com o contexto australiano como pano de fundo. Mas Austrália podia ter-se passado noutro local porque o espírito de épico estaria lá a sair por todos os poros. É uma espécie de salada feita a meias entre África Minha e E Tudo o Vento Levou com O Feiticeiro de Oz a servir de tempero que está destinada a destinar-se intemporal.
Lady Sarah Ashley (Nicole Kidman) é uma aristocrata inglesa que parte rumo à Austrália e se vê obrigada a tomar conta do negócio de gado estabelecido pelo marido. Como missão tem a tarefa de fazer uma manada de gado atravessar as mais diversas intempéries e para isso terá de contar com uma mãozinha (e com o suor do corpo) de um condutor de gado, The Drover (Hugh Jackman).
Podia dizer-se que, à partida, esta seria a sinopse de Austrália mas, na verdade, as histórias dentro da história seriam suficientes para desdobrar o filme em mais fitas. Há a viagem que desemboca na aventura amorosa entre os dois protagonistas, aflora-se a questão das crianças aborígenes retiradas do seu meio, com o filho adoptivo de Sarah Ashley, Nullah (Brandon Walters) a dar-lhe forma, e ainda está presente o contexto histórico de uma II Guerra Mundial a intrometer-se onde não deve.
Tudo isto acompanhado de uma série de referências às imagens de filmes que ficaram na memória de todos e da estética tão própria de Luhrmann, que só ele poderia assinar, com panos de fundo grandiosos, enquadramentos de GRANDE cinema e imagens tão extravagantes quanto apetecíveis.
Austrália nunca poderia ser tão excêntrico ou desmesurado quanto Romeu e Julieta ou Moulin Rouge porque a própria narrativa não é tão dada a isso. Mas ainda que este seja um Baz Luhrmann um pouco mais refreado, o realizador transforma a fita num daqueles exemplos que, na sala de cinema, têm o condão de fazer o espectador sentir-se arrebatado, de volta ao esplendor que julgava já ter perdido há muito. Isto, é claro, se se for assistir a Austrália de coração aberto e sem preconceitos contra hipérboles visuais.