Chama-se O sonho de Cassandra e nele vemos Woody Allen a tentar juntar o seu «eu» humorístico ao «eu» poético-dramático que construiu em Match Point. Há crimes, sedução e falta de jeito. Há suspense, música clássica e a Londres do realizador. Mas, sem uma história que chegue para sustentar uma longa-metragem ou sem dar a conhecer à séria os personagens, não há combinação mágica que resulte. Allen experimentou mas afundou-se com o barco.
Depois do habitual tipo de letra que Woody Allen tanto usa nos créditos iniciais, dois irmãos falidos surgem junto ao barco dos seus sonhos. Espantam-se perante as seis mil libras que terão de pagar por ele mas arranjam solução. Afinal, é para isso que as apostas servem e Terry (Colin Farrell) é perito nas andanças do jogo. O barco passa a chamar-se Cassandra’s Dream, o nome do galgo vencedor da corrida que o pagou, serve de refúgio aos dois irmãos e de centro para o desenrolar do filme.
Ian (Ewan McGregor) seguiu o negócio da família (a gerência de um restaurante) mas quer aparentar ser um nobre homem de negócios. Terry é um viciado em jogo que julga resolver todos os problemas numa partida de póquer.
Quando algo de inesperado acontece- Ian apaixona-se por uma actriz ambiciosa e quer impressioná-la com carros, dinheiro e influência e Terry acumula uma enorma dívida- o desenrolar de acontecimentos leva os dois irmãos a entrar numa espiral de crime, máfia e negócios mal contados. Tudo patrocinado pelo tio que a mãe chama de «príncipe».
O cenário é uma Londres charmosa, oscilante entre os palacetes, as festas da moda e as casas suburbanas. Sempre, claro, com uma banda sonora a roçar o clássico a acompanhar a cidade (uma bela amostra do trabalho do nomeado para o Óscar, Philip Glass).
Apesar do charme, de alguns diálogos bem ao jeito de Woody Allen e de um certo encanto nos personagens, O Sonho de Cassandra tem um lado de trabalho mal resolvido. O espectador ficará decerto com a sensação de que o realizador e autor quis recuperar parte da aura que tão bem conseguiu criar em Match Point e misturá-la com o seu talento inato para a comédia. Mas em O sonho de Cassandra não há a consistência presente na narrativa de Match Point. A história não chega para sobreviver durante as quase duas horas do filme. Ou talvez chegasse se não se prendesse tanto com um único episódio.
Do lado dos personagens há potencial. Colin Farrell faz um trabalho fora do seu habitual. É simultaneamente o trágico e o cómico da fita. Há diálogos cheios dos trejeitos de Woody Allen que, tal como sempre, suscitam algumas situações humorísticas bem conseguidas.
O que poderia ser maior fica por aí. Por uma experiência que não acertou em pleno. O final apresenta-se ao público como algo perto do inacabado mas ainda assim longo. Tal como os sonhos que aquele barco representa também o filme fica perdido no meio das águas.